O afroturismo tem ganhado cada vez mais espaço como um segmento que valoriza a memória, a ancestralidade e a criatividade negra. Mas como ele contribui para fortalecer a identidade cultural brasileira e, ao mesmo tempo, gerar impacto econômico e social? Quais os principais desafios para ampliar a presença de vozes negras em grandes eventos e feiras de turismo? E por que é estratégico ocupar espaços institucionais e de decisão com narrativas afro-brasileiras?
Para refletir sobre esses pontos, conversamos com Tâmara Azevedo, referência no setor e especialista em políticas públicas para o turismo étnico-afro e indígena. Confira a seguir:
DIÁSPORA.BLACK:
De que forma o afroturismo contribui para fortalecer a identidade cultural brasileira e, ao mesmo tempo, gerar impacto econômico e social para as comunidades envolvidas?
TÂMARA AZEVEDO:
"Vivemos em um país de origem colonial, com 55% de população negra, fruto do processo de migração forçada, propiciada pela escravização de corpos negros visando o trabalho forçado. Essa proporção chega a 82% de população negra na Bahia, onde em tese, todo turismo deveria ser afro desde sempre, mas não é.
O Afroturismo é uma tomada de atitude diante da história de resistência e da cultura preservada de nossos povos, numa busca recivilizatória, capaz de dar vez e voz às comunidades, valorizando saberes e fazeres milenares, difundindo e protegendo territórios, gerando renda e preservando o meio ambiente."
DIÁSPORA.BLACK:
Quais são os principais desafios e oportunidades para ampliar a presença de vozes negras nos grandes eventos, feiras e conferências do setor de turismo?
TÂMARA AZEVEDO:
"Os desafios são imensos. Estruturar uma política pública que enfrenta diretamente o racismo institucional, por si só já é desafiador. A presença de negras e negros em um setor econômico como o do Turismo causa também certa estranheza, haja vista que o setor é dominado pelo grande capital, onde nossa presença é pontual.
No entanto, essas diferenças se acentuam quando dedicamos o olhar aos investimentos feitos neste segmento a depender de cada região do Brasil. Os grandes eventos estão concentrados no eixo Rio-SP, o que dificulta sobremaneira a presença de empresários e empreendedores negros nordestinos e do norte do país. Talvez seja necessário um olhar mais direcionado ao fomento nessas regiões, de grande potencial turístico.
Do ponto de vista das oportunidades, acredito no crescimento exponencial do turismo internacional e na tomada de consciência crítica racial, que tem feito aumentar significativamente o público nacional voltado para o segmento."
DIÁSPORA.BLACK:
Por que é estratégico ocupar espaços institucionais e de tomada de decisão no turismo com narrativas e experiências que valorizam a cultura afro-brasileira?
TÂMARA AZEVEDO: "A ocupação de negros e negras em espaços de decisão é fundamental para o avanço de qualquer política pública. O sucesso dessas políticas está intrinsecamente ligado ao compromisso e sentido de pertencimento do gestor público içado para a tarefa.
A construção de uma narrativa decolonial só será possível através da memória social dos povos locais, que permanece ainda em grande parte na oralidade. É um exercício antropológico que não pode ser entregue nas mãos daqueles que durante séculos foram algozes dos povos negros e indígenas desse país."
Sobre Tâmara Azevedo
Baiana de Salvador, graduada em Ciências Sociais pela UFBA e pós-graduada pela Universidade de Santa Catarina em Gestão de Políticas Públicas do Turismo, Tâmara Azevedo é uma mulher negra, Makota e militante social.
De 2004 a 2006, foi Coordenadora Setorial do Carnaval de Salvador e de Culturas Populares da Fundação Gregório de Matos, onde coordenou o Programa Cultura Viva e o Projeto No Coração da Cidade, ambos dedicados à difusão da cultura negra e periférica da capital baiana. Foi vanguarda na implantação do curso de Produção Cultural na Escola Olodum e atuou como Gestora do Escritório Internacional de Capoeira e Turismo, sendo indicada ao prêmio internacional Koldyke Fellowship, do Chicago Council.
Durante treze anos, ocupou a Coordenação de Turismo Étnico Afro da Secretaria de Turismo da Bahia, implementando políticas públicas voltadas ao desenvolvimento de comunidades urbanas, rurais tradicionais e aldeias indígenas, com foco em formação, geração de renda e criação de novos postos de trabalho. Sua atuação alcançou mais de 162 cidades do interior baiano, estruturando o segmento Étnico Afro e Indígena.
Desde 2020, Tâmara se dedica integralmente à Bahia Turismo e Arte Ltda., a primeira agência colaborativa baiana especializada em Afroturismo e Turismo Indígena.